quinta-feira, 22 de março de 2007

O meu dilema .Chique - Parte 2

Todos aqueles que conheceram Fátima Carreira durante a sua adolescência (no fim dela, para ser mais exacta), vos dirão que houve um ano em que a sua personalidade se modificou bastante, indo desde a rapariga mais ingénua da nossa turma até àquilo que seria a Fafa que nós conhecemos hoje, apenas com um pouco de rugas a menos. Sim, porque nem sempre “.Chique” fez parte do seu ADN.Esse ano começou exactamente em Fevereiro de 1987, há vinte anos atrás, portanto. Mas o que despoletou essa série de mudanças foi um acontecimento de que falarei mais à frente.

.16 de Fevereiro de 1987

Dormira mal durante a noite, lembro-me. Na minha cabeça, os eventos que se deram no dia anterior repetiam-se continuamente. Teria amanhecido há cerca de quinze minutos quando a minha mãe irrompeu pelo quarto, dizendo:


- Fifi, levanta-te e veste-te. Já sabes, vais para a escola e quero-te aqui às 2:00 da tarde.


Era o preço a pagar pela minha fuga do dia anterior, não poder sair ao fim das aulas com as amigas, durante um mês. A ideia preocupava-me um pouco, mas decidi não fazer muito caso e entrei para o chuveiro, onde pude esquecer as minhas incertezas. Quem seria aquela mulher un-fashion que me chamara de filha? Porque é que o meu Pai chique me proibira de ir à escola e me aplicara tal castigo por desobedecer? O que estaria a passar-se com Fafa? Como se sentiria Bárbara Mello, agora com cancro nos ovários? Veria Norberto naquele dia?, Rodei a torneira, fechando a água, e tomei o pequeno-almoço.


Os meus chiques pais já tinham saído de casa. Um cheiro insuportável pairava no ar. Um cheiro horrível. Desloquei-me à procura da origem daquele cheiro, um cheiro a… fezes. O meu pai esquecera-se de puxar o autoclismo chique. Fi-lo, enojada, e corri para apanhar o autocarro.

Naquele dia, o autocarro ia quase vazio. Nem Fafa nem Bá estavam lá. Reflecti no que me dissera meu pai na noite anterior. Achei melhor não os pôr a par do episódio un-fashion que sucedera à tarde, na entrada da escola: tesouros, ficaria um ano de castigo, sabia-o. Nessa manhã, no autocarro, as minhas suspeitas aumentaram. Logo depois de ouvir uma conversa estranhíssima sobre uma mulher que desconhecia e me queria ver, aparece aquela pessoa a chamar-me de filha. Estava baralhadíssima. Tanto que adormeci durante a viagem para a escola.


Senti algo a abanar o meu corpo, enquanto acordei vagarosamente, ainda me recordo.


- Adormeceu aqui, jovem. – dissera-me o motorista.- Credo. – disse, e saí dali o mais depressa possível, envergonhada.


Corri por entre a multidão de pessoas que percorriam os passeios, apressadas, e atravessei algumas ruas chiques até chegar à escola. Perto da portaria, hesitei, para recuperar o fôlego, e olhei em volta. O dia estava cinzento, que maçada. Subi as escadas da entrada discretamente, a caminho da sala, por fim.

A primeira aula passou rapidamente. Depois de tocar, reparei que Fafa saiu da sala apressadamente. Ia perguntar-lhe onde ia, mas, em vez disso, esperei que todos saíssem da sala e fiquei a sós com Bárbara, que estava sentada ao fundo da sala. Sentei-me perto dela.


- Calma, Bá. Vai tudo resolver-se, só tens de ter calma. E sabes que eu e a Fafa estamos aqui, sempre.
- Pois, eu sei… Mas, eu tenho cancro… Meu Deus! Tenho 19 anos e tenho cancro…! – disse ela, e desatou a chorar.
- Calma… - disse, sem saber o que proferir.
- Como queres que tenha calma? Se o tratamento resultar e eu sobreviver, é muito provável que nem possa ter filhos!

.Choque
Mais nada disse. Abracei-me a ela e assim ficámos, até a campainha soar. Fafa voltou despenteada, e isso preocupou-me.

- Passa-se alguma coisa, Fá? – perguntei.
- Não… Porque perguntas?
- Porque, sei lá, tens estado distante ultimamente.
- Pois… Tenho dormido pouquérrimo, credo.
- Pouquérrimo? Isso existe, sequer? – perguntei, mas o professor irrompeu pela porta adentro, obrigando-nos a suspender a conversa.


Nesse dia, só vi Norberto no segundo intervalo da manhã.Ao fim da aula, depois de pedir à Fafa que ficasse ali com Bá, a fazer-lhe companhia e a apoiá-la, enfim, como amiga chique que ela era, fui à procura de Norberto. Percorri a escola, atravessei o mar de alunos. Quando já perdia esperança, eis que esbarro com ele, junto das casas de banho.

- Bom-dia.
- Bom-dia. – respondi.

Escondidos na casa de banho dos rapazes, num compartimento sujo, passámos o resto do intervalo a namorar, como se de duas lésbicas se tratassem – ou gays, visto que era na casa de banho masculina –, até que a campainha tocou e nos separámos.


- Vemo-nos logo?
- Se estiver destinado, sim. Mas, muito provavelmente, não. – respondi.
Norberto riu-se. – E amanhã?
- A mesma coisa, mas há mais probabilidades.
- Ainda bem.
- Até amanhã. – respondi.
- Até amanhã. Amo-te.


A aula seguinte passou vagarosamente. A professora, lembro-me perfeitamente, era chata – e anã também. Estava ela a escrever no quadro, enquanto alguns alunos diziam piadas em voz baixa sobre o seu tamanho, quando uma funcionária bate à porta. Depois de um curto diálogo com a funcionária, a professora volta-se e diz:

- Filipa Rodrigues, alguém a quer ver urgentemente. Autorizo-a a abandonar a aula, mas despache-se.

“Credo”, pensei eu. “Credo .Chique, quem seria?”Saí da sala e percorri os corredores da escola, acompanhada pela funcionária. Quando vi quem me esperava, quase voltei para trás.


* * *


A mesma mulher do dia anterior, que me chamara de filha, esperava-me. Aproximei-me dela, e a mulher disse-me que queria falar comigo.


- Posso saber o motivo de tanta insistência? – perguntei.
- Minha filha…- Pare de me chamar filha!
- Mas eu sou tua mãe…
- Desculpe, eu tenho uma mãe – chama-se Lurdes Rodrigues. Você é uma desconhecida.
- Acredita, não sou desconhecida nenhuma. – disse ela, com o seu sotaque brasileiro, levantando a camisola. – Tu saíste deste ventre!
- Então prove-o. – disse, em jeito de brincadeira.
- Queres provas?
- Sim.
- Então vais tê-las. Voltaremos a ver-nos. – disse, e afastou-se.
- Como se chama? – gritei eu. – Diga-me isso, pelo menos.
- Arminda Terra. – respondeu, e afastou-se, desaparecendo.


Arminda… Terra? Imaginem como fiquei. Minutos depois, voltei para a aula, ainda a processar tudo o que se passara. Provas? Arminda Terra? Minha mãe? Entrei na sala, e procurei não pensar no assunto. Porém, pouco depois, antes do final da aula, pensei “Então se aquela mulher for mesmo minha mãe, os meus pais adoptaram-me”.
.Choque.
Reflecti melhor. Não poderia confiar numa desconhecida. Pelo menos não agora, tão precocemente. E eis que tive uma ideia para o que fazer.

As aulas tinham terminado há minutos, faltava pouco para as 2 horas da tarde. Eu, Fafa e Bá fazíamos o habitual percurso escola – paragem do autocarro, um pouco silenciosas. Normalmente, eram passeios repletos de gargalhadas, fofocas e conversas animadas entre três adolescentes muito amigas, mas não naquele dia. Estávamos enclausuradas nos nossos pensamentos. E assim continuámos até ao fim.

- Meu Deus, que horror. – disse eu, quando cheguei a casa.


À noite, eu e os meus pais chiques jantávamos juntos. O ambiente estava silencioso, inquietante. Eu, nervosa, comia devagar. Os meus pais falavam ocasionalmente, sobre trabalho. Até que decidi que tinha de falar.

- Quem é… Arminda Terra? – perguntei, hesitante.

Foi então que o meu pai, que comia uma chique cocha de frango, tossiu. E tossiu novamente. Aflito, ficava vermelho do pescoço para cima, como um tomate podre. Eis que, no meio da aflição, me apercebo de que se estava a engasgar com o osso do animal.

- Pai!
- Filipa, chama uma ambulância! – gritou a minha mãe, batendo nas costas do meu pai.- Jesus! – gritei, e chamei uma ambulância.


No hospital, eu e a minha mãe esperávamos por notícias, sentadas numa sala apinhada de gente. Idosos, ciganos, pessoas un-chiques – de tudo um pouco, e eu estava lá no meio, com as narinas entupidas devido ao cheiro a suor que pairava no ar. Olhei para a minha mãe, que parecia nervosa. Não sabia o que fazer. Olhei em volta, e perguntei-lhe:


- Mas… Quem é… Arminda Terra?
- Cala-te ou ainda levas aqui. – gritou a minha mãe. – Já bastou o teu pai se engasgar.
- Credo.
- Cala-te com o credo!

Dias depois, no final do almoço num café chique, eu e a Bá (que começara a fazer tratamento), caminhávamos até à escola. O dia estava solarengo, agradável. Continuámos a percorrer as ruas cheias de gente, até à escola. Quando lá chegávamos, apanhei o maior choque da minha vida até ali.

- Fátima! – gritei.

* * *

4 comentários:

Anônimo disse...

adorei!!!!!

escreva rapidamente a 3a parte, meu deus!!!!

beijo chiqueee

Anônimo disse...

ola

o cancro é uma coisa terrivel!

ai eu adoro-vos, têm sempre uma boa liçao a dar, e vê-se que ja passaram por muito!

orgulho-me de acompanhar este blog... beijos e escreva a 3a parte

Anônimo disse...

as vossas historias sao interessantes. gosto muito de as ler, e acho que voces sao 3 mulheres simpaticas e educadas, chiques.

adorava encontrar-me convosco. o meu e-mail é: ricardo.fix.e@hotmail.com

continuem a postar, beijo

Anônimo disse...

Ai que terror, querida!!!!

Fiquei em puro choque, sabe o que é, quando acabei de ler esta publicação.

Darling, não se brinca com os sentimentos das outras pessoas! Quase desmaiava!